quinta-feira, 31 de março de 2011

meus bordados


                                                                           Frente de bolsa

Bordado de Haydèe e Ludmilla feito para um vestido.


verso de bolsa
O Bordado me modificou. O processo foi bem devagar no começo, quase não percebi. Quase como uma brincadeira, que se faz para se livrar de uma criança barulhenta, e que se acredita que nada vai silenciá-la, pois pensamos que o que quer que se faça só vai funcionar com o tempo necessário para se descobrir o funcionar da mágica e depois deixar pra lá.
Foi assim, tentando engabelar uma criança barulhenta, por meio de um desenho despretensioso e da dona Naná, que comecei a bordar. Graças a ela e aos seus olhos experientes, falando que o desenho que tinha feito era bom para bordar, que logo me defendi: “Não sei bordar, não dou conta, não sei nem enfiar a linha na agulha”.
Ela virou as costas, pensei: “Dessa escapei”. Que nada, ela voltou em um instante com uma caixa cheia de linhas coloridas e uma agulha fininha em punho dizendo:
 _ Tem um ponto facim, bom de se aprender, pega um pano pra ocê vê.
Sem alternativa, diante de tanta gentileza, peguei a camiseta mais surrada que tinha, mais pra me livrar da velha do que pra fazer o exercício. Comecei transferindo o risco devagar, rezando pra ela desistir, sem nenhuma convicção que aquilo ia dar certo. Mas a atenciosa dona Naná me fez ver as linhas do desenho que tinha deixado de completar.
_ Vou te ensinar o ponto cadeia pra ocê não fugir do bordado, disse ela dando um sorrisinho. Molhou a ponta dos dedos, passou a linha no fundo da agulha, deu um pontinho, deu outro pontinho bem devagar, explicando como é que era.
_ Entendeu? Agora faz.
_ Mas... já?
_ É assim mesmo, o mistério quem faz é a gente.
Bem devo confessar,nem todos os começo são difíceis, mesmo quando não se acredita no que faz, e a linha com que se borda gosta de fazer nó. O que se precisa é agüentar, duas ou três furadas no dedo, até entender o que se deve fazer. O jeito é ficar prestando atenção na maneira de fazer, pois toda vez que se divaga, erra o ponto. Simples, sem nenhum volteio mirabolante. O principio é o da repetição. Bordar é meditação produtiva em movimento, concentração por excelência.
Pronto! Eu estava fisgada pela calma dos apaixonados, por este exercício do amor, em que se apresentam prazeres para quem se dispõe a conhecer o bordado. Entendi o porquê dos longos bordados das mulheres da Atenas: é o prazer que torna possível agüentar mil quarentenas. O mesmo prazer que cura a pressa e as urgências ilusórias, de tudo que está distante, do momento em que surgem as imagens traçadas, por uma linha no fundo da agulha. E para alcançar esse prazer, nada é ao acaso.
O risco dos bordados funciona como mapas de travessias constantes, em um deserto de nada. Se você quiser avançar entre um ponto a outro, toda a atenção deve ser constante, pois há sempre o perigo dos riscos desaparecerem debaixo do nariz, mesmo que estejam seguros nas mãos, e por isso te tirar da rota pré-estabelecida, criando o emaranhado irreal das trilhas fantasmas, que surgem em instantes de desatenção. Isso o leva, às vezes, a desistir no meio do percurso, por ter ido longe demais ou a se confundir bordando o que não devia, relegando ao confinamento no fundo das gavetas e ao esquecimento milhares de bordados que poderiam estar enfeitando a vida.
No entanto, sempre vale a pena recomeçar, mesmo quando a linha embaraça ou se finda, testando a paciência de pontinho em pontinho. A paixão pelo bordado surgiu desse jeito. Fui bordando, seguindo caminhos riscados, nem sempre fáceis, mas sempre possíveis de serem seguidos.
Haydèe Sampaio

Frente de bolsa verso da mesma bolsa

4 comentários:

  1. Que linda experiência, Haydee. É incrível como a arte nos ensina. Qualquer uma delas. Bordar nos faz ter paciência pra refletir sobre nós mesmos. É como ler um verso, serenamente, sem pressa de acabar e se perder nas semiótica das palavras, como se pra descobrir o mundo. Vez em quando, um passarinho daqui, um ruído no céu anunciando a chuva ou o grito das crianças do vizinho. Quão bela a vida e com o que ela tem a ensinar. Feliz de quem para pra fazer arte e, por isso, é capaz de sensibilidade mais profunda, do sentir a própria vida e compreender o outro naquilo que ele tem pra nos ensinar, sempre!
    Um abraço e continue escrevendo!!
    Alice

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  2. Bela postagem, Haydee! Sinto isso tudo toda 4a feira, quando reuno os alunos da Oficina dos Fios, aqui na FAV, e vamos bordando pela tarde afora...
    Um beijo carinhoso, cheio de saudades!

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  3. Oi minha querida! só vc com sua agradavel irreverencia...
    cada vez mais sua fã.

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  4. Talento e para quem tem.... bordados lindos!!!

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